Nas próximas linhas você vai encontrar a história de um filme, um vídeo, um vídeo-pesquisa, um “vídeo-contação”. Uma narrativa audiovisual inspirada na minha Tese de Doutorado em Educação “Digital Storytelling: uma experiência de pesquisa-formação na cibercultura”, orientada pela Profa. Edméa Santos e defendida em 5 de fevereiro do 2018 no Proped/UERJ. Uma tese que fala sobre histórias que formam e nos formam, histórias de vida e formação na cibercultura.
Suas páginas converteram-se em nosso grupo de constelações, como antigos marinheiros, que olhavam o céu estrelado buscando os rumos na imensidão do oceano. Assim, para nós, a tese foi uma estrela que deu luz e possibilidades de rotas nesse mar intenso da linguagem audiovisual.

Ao longo dos três anos de doutorado, me instigou saber qual é a potência de contar histórias digitais na formação dos professores. A pesquisa partiu do entendimento de que não estudamos teorias para ir ao campo e encaixar a prática em conceitos e categorias pré-estabelecidas; pelo contrário, a própria práxis conteve na sua trama momentos que foram me levando à busca de entendimentos que, simultaneamente, provocaram novas buscas e dilemas.
Na práticateoriaprática, como aprendi com Nilda Alves nos estudos cotidianistas, ao longo desses anos de doutorado transitado, mergulhei com todos os sentidos no objeto de estudo, a Digital Storytelling na formação de professores, e vivenciei experiências profundas na própria arte de contação de histórias. Tive a possibilidade de atuar, como professora-doutoranda junto com a profa. Edméa Santos, por dois semestres na disciplina “Tecnologias e Educação” no curso de Pedagogia na UERJ, e foi ali que tive meu primeiro contato com a pesquisa-formação na cibercultura. Nesses encontros formativos foi que criamos os diversos atos de currículo/dispositivos inspirados na Storytelling: o Visual Storytelling para o trabalho com memória escolar; o Digital Storytelling em formato de vídeo para narrar como a tecnologia digital chegou na vida dos praticantes e o Blog como memorial hipertextual. As histórias dos leitores contemporâneos, entre outras, foram as práticas que fizeram emergir autorias que consideramos “invenções digitais de si”.
Enfrentei o grande desafio de passar da experiência vivida à experiência narrada, criando caminhos possíveis de compreensão, um deles materializado neste vídeo. Na medida que avançava na escrita da tese sentia uma forte necessidade de escrever “para além” da escrita tradicional. O fato de estudar o digital, o audiovisual e a hipermídia me fazia pensar diariamente nas formas como transmitimos e divulgamos o conhecimento que adquirimos nas diversas formações que atravessamos.

Foi no meio desses debates internos com a “escrita tradicional da tese” que conheci a Shênia Martins (diretora e editora do filme). Meu encontro com ela foi um presente, desses presentes que você guarda em um lugarzinho muito especial e vai cuidar pelo resto da vida. Lembro que nossa troca começou timidamente em 2017, numa aula da Graduação em Pedagogia da UERJ, nossa casa. Aos poucos fomos marcando reuniões, cafés, cervejas e vinhos, pois a inspiração e a criatividade não vem só do trabalho na frente do computador. Nossa maior inspiração veio do encontro, da amizade, dos contos que lemos juntas, dos risos e das lágrimas. Tudo entrou de alguma forma no filme. O ato criativo implica emoção, e isto não faltou por aqui.
As duas tínhamos uma certeza: queríamos contar a tese na linguagem audiovisual, e as duas sabíamos que isso não seria fácil. Passei para Shênia todo o material das aulas sobre “Digital Storytelling” que tinha trabalhado com os estudantes da graduação, os trabalhos que eles tinham feito nas minhas aulas, as criações e todas as reflexões do meu diário de pesquisa. Filmamos a qualificação e a defesa da tese, e antes de deixar o Brasil filmamos uma “última entrevista” (sendo eu a entrevistada).
Parece uma loucura, mas a maior parte desta criação audiovisual foi feita à distância: ela no Rio e eu aqui, em Alicante (Espanha), com um fuso horário de 5 horas a mais. A gravação da entrevista com Méa foi feita online pelo Skype. Enquanto eu gravava com meu celular a mim mesma aqui em casa, Shênia e Frieda se ocupavam da entrevista no Rio. Lena e Hugo foram filmados na UERJ, sem minha presença, mas com meu acompanhamento constante pelo WhatsApp. Posso dizer que contamos esta história lançando mão de todo tipo de aplicações digitais que você possa imaginar. O fato de acompanhar o desenvolvimento da pesquisa por quase três anos implicou um árduo trabalho de edição, pois tínhamos em nossas mãos muito material, capturado com câmeras diversas e em diferentes qualidades de imagem e som. Acho que podem imaginar um pouco o sentimento de transbordo, não é?
E assim foi, a estrutura do filme parte do tripé do próprio trabalho da tese: experiência/memória/ficção, sem deixar fora o percurso da minha trajetória acadêmica, nos quase 9 anos que vivi no Brasil e fiz o Doutorado em Educação na UERJ. Trouxemos as bases da pesquisa-formação na cibercultura, a memória dos pesquisadores, o contexto sócio-político, os achados, os afetos e a experiência narrada pelos próprios praticantes: Lena Chianello e Hugo Charret.
Por que invenções digitais de si? Porque o conceito de invenção de si de Marie-Christine Josso (2010) nos inspira, por todas as práticas cotidianas nas quais o sujeito cria e recria o eu, desde as roupas que usa, os pratos que cozinha, até as experiências formativas pelas quais transita e deixa suas autorias. Nós partimos desde essas invenções de si no digital em rede, os processos criativos dos praticantes da nossa pesquisa aconteceram nas interfases universidade/ciberespaço. Por isso a questão do digital faz parte constitutiva dessas invenções.
O homem é um animal de invenção, e as diferentes formas de consciência não são senão produtos dessa função inventiva, dessa capacidade de invenção […] produtora de novidade, de intensidade, criadora de possibilidade de vida. […] (LARROSA, 2002, p. 66-67).
Nessas invenções digitais de si, os praticantes autorizaram-se, narraram, criaram histórias, personagens para falar de si e dos outros, falar da própria vida e de temáticas que os instigavam.
Pensar nas histórias que nos constituem é mergulhar no passado, sem perder de vista o presente e as pretensões de futuro. Todos os caminhos de formação que atravessamos falam de um lugar, possuem cheiros e sons, estão imersos num espaçotempo que lhes é próprio. É partindo dessa ideia que a contação de histórias possui uma potência marcante, pois ao narrar uma história, o narrador lança mão de inúmeras estratégias, entrelaçando experiências, memórias e ficções.
Narraram em rede, com imagens, textos e sons, na hipermídia. Percebemos que o narrar digital não é somente escrever descritivamente sobre algum assunto no suporte digital. É muito mais do que isso, é contar uma história, é ficcional e inventar, conjugando lembranças, desejos, empoderamento e inspirações na hipermídia, com tudo o que a linguagem da internet proporciona.
Não posso acabar este post sem agradecer a Shênia, minha parceira de viagem. À Edméa Santos “Méa”, minha eterna orientadora, à Frieda Marti pela incondicional ajuda na produção do filme, à Lena e Hugo – sem vocês o filme não teria sentido – e a todos os estudantes de pedagogia da UERJ, que participaram da pesquisa-formação. “As invenções digitais de si” foi seleccionado para o Curta ANPED 2019. Nem preciso dizer a felicidade e o orgulho que temos disso! “As invençoes digitais de si” é UERJ, nossa #UERJResiste e cria!
Chego ao fim desse post dizendo que a história nunca acaba, (re)inventa-se em cada nova pessoa que a ouve, a lê, a comenta e compartilha. O vídeo-pesquisa quis trazer um pouco do vivido nos 3 anos da pesquisa do Doutorado.
Como contar a história de uma pesquisa de três anos em 24 minutos?
Quiçá criando uma nova história…
Com vocês “As invenções digitais de si”